15 October 2006

Assim se comporta o homem do imediato…

Estava a ler o Desespero Humano de Sören Kierkegaard numa sala de espera aguardando para ser chamado para uma entrevista quando me deparei com esta passagem deliciosa relativamente ao desespero visto através da consciência, neste caso particular da perspectiva do imediato. Não é nada de especial mas foi daquelas leituras que me fizeram desfazer em riso...


Reza assim:

“Conta-se que um aldeão, que
viera descalço para a capital, aí ganhou um par de vinténs, e depois de comprar meias e sapatos, o que sobrou ainda chegou para se embriagar. Diz a história que então, embriagado e querendo regressar à terra, caiu no meio da estrada e adormeceu. Aconteceu passar um carro e o cocheiro gritou-lhe que se desviasse para não ficar com as pernas esmagadas. Então o nosso bêbado acorda, olha para as suas pernas, e, não as reconhecendo, exclama: «Podes passar por cima, que não são as minhas». Assim se comporta o homem do imediato que desespera: impossível é imaginá-lo senão numa postura cómica, porque já é uma espécie de tour de force o falar, como ele faz na sua algaravia, dum eu e ao mesmo tempo de desespero.”

1 comment:

Anonymous said...

Coitado do cocheiro que se vê perante o desmoramento dos seus alicerces morais e ético-cristãos. De facto, desesperante para qualquer crente.
Provavelmente continuou um diálogo de berraria vs. passividade.
Do tipo "SAI DA ESTRADA."; "Este corpo não é meu."
Um filósofo alemão falava da embriaguês como quem fala da razão ou consciência.
Serão as pernas mesmo dele?
Porquê tanto desespero por parte do cocheiro?
"Passa por cima!" - diria eu. Provavelmente ele não iria sentir.
Nunca li esse livro de Kierkegaard, mas vou procura-lo e depois falamos.

- Victor Hugo